Valença do Piauí, 07 de nov, 2025

Entre túmulos e flores, a leveza de dona Graça: a história da zeladora de túmulos do cemitério São Benedito de Valença

O Dia de Finados é lembrado com visitações e homenagens aos entes queridos que já não estão mais entre nós. Em Valença, nesse dia, celebrações são realizadas e a movimentação nos cemitérios locais aumenta. Além das flores, velas, visitas e orações, muitos desejam ver o local onde seus familiares estão sepultados, limpo e organizado. É nesse contexto que se destaca a história de Benedita das Graças e Silva, conhecida carinhosamente como dona Graça, uma zeladora de túmulos prestes a completar 76 anos agora no mês de novembro.

Um ofício aprendido com a mãe

Viúva e mãe de sete filhos, dona Graça conta que começou no ofício ainda criança, acompanhando a mãe: “Eu comecei mais minha mãe, eu pequena, mas eu vinha ajudar ela”, relembra. No início, o serviço de limpeza era feito apenas uma vez por ano, durante o período de Finados. “Nós só fazíamos de ano em ano, aí depois o pessoal gostava do serviço nosso, aí eu fiquei direto”, explica. Hoje, ela mantém contratos fixos e cuida regularmente de vários túmulos.

Trabalho intenso e amor pelo que faz

Quando perguntada sobre quantos túmulos limpa, responde rindo: “Não tenho a conta não, são muitos, só sei se tirar um dia para mim contar, porque são muitos, são muitos, muito mesmo”. E com o período de Finados, o trabalho aumenta consideravelmente: “Aumenta mais, são mais de cem, fora as minhas”, conta, dizendo que recebe ajuda do genro para dar conta de tudo.

Mesmo com tantos anos dedicados ao cemitério, dona Graça afirma que não pretende parar. “Eu tenho fé em Deus, se Deus me der saúde, enquanto eu aguentar eu trabalho, porque eu gosto”. Estimando já ter cerca de 50 anos de profissão, ela lembra: “Eu acho que tem uns cinquenta anos, porque 76 anos eu vou completar, faz tempo que eu mexo aqui”.

Memórias que resistem ao tempo

Entre tantas histórias, ela cita uma que acompanha há décadas: “A cova do Gutemberg, faz tempo que eu limpo aqui a cova dele, comecei era de chão, aí eu plantava planta, eu aguava, aí foi o tempo que fizeram o túmulo, tá com 26 anos que ele morreu, e eu cuidando”.

Dona Graça conta que é muito procurada pelos familiares das pessoas sepultadas é isso faz com que ela se sinta reconhecida. “Eles reconhecem, porque eles andam tudo doido atrás de mim. Ali na casa da Valdinha, todo o povo me procura lá, se eu não estiver lá pode vir no cemitério que me acha”, brinca.

 Rotina puxada e coragem de sobra

Com o aumento da demanda, sua rotina se torna ainda mais intensa. “Chego 7 horas e 13 horas vou almoçar e logo volto de novo e fico até 18h15”. Mesmo assim, ela fala do trabalho com naturalidade e carinho: “Para mim é normal, normal mesmo, nunca tive medo, aqui é como se estivesse na minha casa, não tenho medo de jeito nenhum, fico aqui só eu e Deus, ninguém mexe comigo”.

Sobre experiências sobrenaturais, responde com simplicidade e humor. “Nunca vi nada, só as pessoas vivas que chegam aqui. O morto, eu acho que eles gostam de mim”. Além da limpeza, dona Graça também ajuda visitantes a localizar túmulos. “Hoje mesmo foi um rapaz atrás de mim para poder achar um túmulo, ele me perguntou: ‘a senhora sabe onde é a cova de Antônio Tenor dos Anjos?’ eu disse: sei, meu filho, esse Antônio eu cuido”, conta orgulhosa.

Entre o silêncio dos túmulos e a dor das perdas

Apesar do ambiente de trabalho ser um cemitério, é ali que ela se sente bem. “Eu me sinto muito bem aqui. Quando eu termino de limpar, eu pego, caço uma sombra, eu me sento até dá a hora e vontade de ir embora, eu gosto, não vou mentir, eu faço esse serviço porque eu gosto”.

Mas nem tudo é leveza. Dona Graça revela que ainda se abala com algumas perdas. “Quando morre uma pessoa bem conhecida minha, ali eu adoeço, eu me abalo”, diz emocionada, recordando o caso do jovem Caio, cuja morte comoveu a cidade: “Não esqueço, foi muito triste”.

Ela trabalha apenas no cemitério São Benedito, por ser mais próximo de casa, mas comenta que é procurada para serviços em outros locais. “Já tem gente me chamando para mim ir para Morada Nova, eu digo: não, lá é longe, eu não sei andar de moto, eu só ando mais minha filha, ou mais meu genro, pra mim ir direto pra Morada Nova, não dá não, eu despacho, não dá, mas se eu pudesse eu ia, lá tem tanto conhecido meu, tanto amigo, mas não posso”.

Alegria que contagia

Além da dedicação ao trabalho, dona Graça revela outra paixão: o forró. “Eu vou pro centro dos idosos 9 horas e lá só acaba às 16 horas, quando acaba eu vou lá pro Alto Bonito, danço mesmo, é saindo de uma porta e entrando na outra”, conta entre risadas.

Toda essa alegria e disposição encantam quem a conhece. E talvez seja essa leveza com que encara a vida que lhe dá a saúde e a vitalidade que mantém viva sua história, a história de uma mulher simples, forte e feliz, que transformou o cemitério em parte do seu lar e o cuidado em uma verdadeira missão de vida.

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