Valença do Piauí, 15 de out, 2024

O STF no Cotidiano do Cidadão brasileiro

O cidadão brasileiro começa a vivenciar de forma mais inteligível, temas, outrora ocultados no campo das decisões, remetidos à apreciação da mais alta corte do judiciário do país. É, o Supremo Tribunal Federal, órgão que trata de deliberar acerca de conflitos que tratam de matérias que dizem respeito à Constituição Federal.

Audiências Públicas, grupos de pressão, grupos de opinião, igreja, cientistas, índios, começam a integrar o cenário daquela Corte sendo chamados a compor a decisão de matérias de interesse da coletividade legitimando essa ação do Tribunal. Os veículos de comunicação têm realizado o seu papel enquanto instrumento de democracia, levando à sociedade as atividades e métodos que estão sendo utilizados para realizar a efetivação do modelo de interpretação constitucional que vem sendo adotado gradativamente numa perspectiva construída e democrática..

Em meio a essa metodologia que vem sendo realizada, provavelmente os que mais estranham tudo isso, são juízes que receberam uma formação em que foi assimilada a idéia de que as decisões deveriam ser conseqüência de uma interpretação que independe das influências sociais, por um juiz neutro, longe das pré-compreensões teorizadas elucidativamente por Gadamer. O juiz recolhido em seu isolamento para  exercer o seu ofício, recorria  a hermenêutica Clássica e erigia suas sentenças imaginando está realizando a justiça, resolvendo o conflito e satisfazendo às partes envolvidas na lide.

Para entender melhor esse momento em que o foco é o supremo e o chamamento do cidadão à participação do processo de interpretação constitucional, iremos recorrer a um trabalho filosófico  intitulado Hermenêutica Constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental  da constituição. Seu autor é o filósofo alemão Peter Haberle, livro que foi traduzido para o português pelo   Ministro e atual presidente do STF Gilmar Ferreira Mendes  ainda no ano de 1997.

Nessa obra de leitura hipnotizante e desveladora, o autor defende uma interpretação constitucional Pluralista e aberta, a ampliação dos intérpretes, o sistema público, grupos de opinião integrando a realidade ao processo de interpretação partindo do processo de participação democrática.

Peter Habberle, inicia problematizando que tradicionalmente as teorias da interpretação constitucional se preocupavam com a aplicação da justiça, equidade e com as regras para se alcançar esses resultados. Ele chama a atenção e traz uma abordagem nova para o seio da discussão que é apresentar  os participantes do processo de interpretação constitucional, sob a ótica de democracia participativa.

Defende que a interpretação constitucional passa de interpretação fechada para uma interpretação aberta ou pluralista, isto é, da interpretação dos juízes e dos competentes, delegados pelo Estado, para uma interpretação com a participação de todos grupos sociais, estatais,  doutrinário, do cidadão com a contribuição essencial da ciência.

Afirma Haberle, em esclarecimento a sua tese, que “quem vive a norma é intérprete, direto ou indiretamente e o pluralismo propicia mediação entre Estado e Sociedade”, deixando ele a preferência evidente pelo exercício da democracia na interpretação constitucional.

O estudioso se antecipa a o que ele chama de objeções e críticas à sua teoria, discorrendo sobre dissolução da interpretação constitucional num grande número de interpretações e intérpretes.

Alerta Haberle que a legitimação está para todos: o não formal, o oficial ou nomeados para exercer a interpretação da constituição. Atenta ainda para a necessidade de integração da realidade social ao processo de interpretação, revela que a unidade da constituição surge da conjugação de diferentes intérpretes, cada um em sua função, e não como muitos querem de uma unilateralidade interpretativa, e prossegue afirmando que democracia se desenvolve na práxis cotidiana e nas controvérsias acerca de alternativas formada por cidadãos desembocando nos compromissos.

Continua o professor no seu fascinante texto que, a Corte Constitucional haverá de interpretar sob a correspondência da atualização pública, pois o juiz constitucional  não interpreta de forma isolada, aliás, Haberle afirma que a própria constituição material subsiste sem interpretação dos juízes, acrescentando a participação da opinião pública, não organizada e não disciplinada como garantia da abertura e espontaneidade.

Em resposta também às possíveis objeções à teoria defendida, o ilustre filósofo responde que o consenso advem dos conflitos e compromissos entre os participantes, e que não se deve indagar acerca de interpretação correta e sim sobre a amplitude que se há de emprestar ao circulo de interlocutores da doutrina constitucional.

Não há dúvida que o judiciário brasileiro começa a ser influenciado pela idéias de Haberle transposta por Gilmar Mendes ao Brasil.

Esses efeitos não refletem apenas a temas, outrora estritamente constitucionais, de uma vez que toda legislação é vista com a lente onde a constituição é o centro de conformação e da legislação, sendo portanto o método desvelado para serem efetivados nas mais variadas lides.

No entanto, como toda novidade, a teoria colocada à prática, inicialmente traz perplexidade para alguns, ansiedades para outros e oportunidades para muitos brasileiros que realizam a interpretação constitucional timidamente e muitas vezes sem saber que a estão fazendo.

Wallyson Soares

Historiador e acadêmico de Direito

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